TEORIA E METODOLOGIA
ESPAÇOS SITUACIONAL
CARTOGRAFIA
DAS CONTROVÉRSIAS
SÍNTESE
Espaço situacional
O geógrafo Michel Lussault defende que o “l’espace est (en) action(s)”, isto é, está em movimento e, além de ser uma construção social, também é um recurso social híbrido (material e ideacional) e dotado de potenciais espaciais pelos atores em situação de ação.
Para o autor, em vez da ação ocorrer no espaço, os atores agem com o espaço, o que propicia “uma aproximação mais apropriada à dimensão de eventos do espaço, onde o espaço não é só conceitualizado como uma estrutura absoluta ou relativa, mas como um elemento efêmero co-construído pela prática” (LUSSAULT, 2010, p.14, tradução nossa). Assim, para o autor, o espaço é situacional, efêmero.
O conceito de situação corresponde à convergência circunstancial de entidades heterogêneas, cujas ações são mobilizadas (LUSSAULT, 2010). Para Lussault, usando a concepção de associação de Latour (2012), as associações possuem vínculos frágeis, controvertidos, incertos, estão continuamente em movimento e estabelecendo conexões. O sistema é aberto, onde nada é pré-determinado e fixo. De acordo com o autor, essa perspectiva possibilita uma investigação nas quais as associações são descontínuas, onde as dimensões do espaço estão continuamente mudando.
O espaço é situação, efêmero, está em constante mudança, seu estado é transitório. Suas associações são descontínuas
Dessa forma, a ressaca é analisada como um espaço descontínuo, onde distintos atores se associam, a transformam e são transformados continuamente. Com a ressaca, há diversas adaptações, na qual vínculos são (des)feitos a depender da situação.
Cartografia de controvérsias
Grande parte dos cientistas sociais compreendem o social como um conjunto homogêneo (LATOUR, 2012). Em contraponto, Latour propõe a sociologia das associações e a designa como “um movimento peculiar de reassociação e reagregação” (idem, p.25). A sociologia é redefinida de uma “ciência do social” para um traçado de conexão entre elementos heterogêneos. Diante disso, a TAR não se limita a estudar a agência de humanos. Não-humanos também são considerados atores completos, pois ator consiste em “qualquer coisa que modifique uma situação fazendo a diferença” (idem, p.108). A própria nomenclatura de “ator” ou “actant” traduz o caráter híbrido da TAR, já que a distinção entre sujeitos e objetos se perde.
A partir de então, o social não é mais explicado a partir de um conjunto de ideias pré-estabelecidas, como “sociedade”, “estrutura”, “contexto”, “culturas”. O autor critica tais forças ocultas, por causarem grandes saltos que mobilizam forças gigantescas para manipular o ator e controlar diversos acontecimentos. Por consequência os atores são, frequentemente, desconsiderados e vistos como se fossem incapazes de interferir em uma situação.
Nessa pesquisa, seria possível utilizar diversos conceitos para explicar as práticas dos moradores com a ressaca. Definições preestabelecidos como cooperação, cultura, pobreza, necessidade poderiam ser elucidadas. Já pela perspectiva da TAR, a ocupação dos pesquisadores passa a ser a busca de novas associações. O que importa é descobrir novas instituições, procedimentos e conceitos. Isto posto, ao focar nos vínculos, torno-me livre de disputar os combates supracitados.
É importante salientar que esse método de pesquisa não omite as diferenças de classes ou a relação de poder entre os moradores e o poder público. Com ela, não interessa saber como os atores se encaixam no sistema, mas atentar ao movimento, em como as estruturas são engendradas por atores.
A cartografia das controvérsias foi criada por Latour no final da década de 1990, com o intuito de facilitar a utilização da teoria TAR (VENTURINI, 2012). Consiste na melhor maneira de observar a fabricação do mundo, visto que a partir das controvérsias a vida coletiva é feita e desfeita (idem).
As controvérsias são “situações onde os atores discordam” (idem, p.261, tradução nossa). Começam quando os atores notam que não podem se evitar mutuamente e finalizam quando os atores conseguem definir um compromisso concreto de conviverem juntos.
Não há grupos, somente formação de grupos
Na cartografia das controvérsias não há grupos, somente formação de grupos. O que implica na unidade de análise não ser o indivíduo ou a sociedade, mas as associações realizadas entre os atores. Nesse aspecto, as associações são frágeis, com há transformação, mutação. As entidades precisam ser reagregadas a cada nova circunstância (LATOUR, 2012).
Os atores sempre são combinados por componentes em rede; dessa forma, a ação sempre é partilhada
O princípio básico da TAR é que um ator pode se dissolver em diversos elementos em conflito e uma constelação de atores pode se solidificar em uma única fonte de ação. O termo ator-rede procura ressaltar que a ação sempre é partilhada. Contra a noção de causalidade às ações - onde não proporcionam efeitos, mas apenas ocasiões, circunstâncias e precedentes -, é utilizado a noção de subdeterminação da ação. A causa das ações, então, é trocada por uma série de atores e há incertezas quanto a origem da ação, tendo em vista que suas múltiplas conexões lhe dão existência. Os atores sempre são combinados por componentes em rede. O que representa uma perspectiva relacional do que seja o ator. Os atores inter-agem, moldam e são moldados por relações, “ao falarmos de ator, deveremos sempre acrescentar a vasta rede de vínculos que o levam a atuar” (idem, p.313). Em decorrência, o ator nunca está sozinho ao atuar.
Dessa forma, a ação deve ser definida como um nó, como um conjunto de agências. Este último refere-se ao que participa da ação e induz transformação, contido nos mediadores que “ transformam, traduzem, distorcem e modificam o significado ou os elementos que supostamente veiculam” (LATOUR, 2012, p.65). Diferente dos intermediários, pois estes transportam elementos (significado, força, dados etc.), entretanto não os transformam (LATOUR, 2012).
Os objetos também possuem agência e são considerados como atores
Os objetos não são passivos ou só projeções simbólicas, nem simplesmente satisfazem as ordens humanas, eles possuem agência. Tal afirmação não denota que eles façam coisas no lugar dos humanos, mas apenas significa explorar plenamente o que e quem participa da ação. Outro ponto importante a ser assinalado: agenciar não é sinônimo de determinar a ação. Não que um martelo imponha a utilização de pregos. Entre ser apenas passivo e determinar a ação humana, existem diversas possibilidades como: autorizar, estimular, sugerir, influenciar, desviar, proibir etc (idem). Optar pela madeira na construção da passarela mudou o curso da ação de outro agente? Caso o faça, há evidencias nas quais possamos detectar essa modificação? O objeto só adquire valor social por meio das relações e como as ações, precisam aparecer nos relatos.
A TAR e estudos urbanos
No que concerne à produção do espaço, os não humanos são também reconhecidos como atores (LUSSAULT, 2010). Eles também são híbridos, pois, só são dotados de valores a partir das ações (LATOUR, 2012; SANTOS, 2006). Santos (2006) compreende a técnica como a socialização dos não-humanos. O técnico e o social só podem ser explicados de forma conjunta. Isto é, só podemos apreender as ações de determinados atores (técnicos da prefeitura, moradores, fiscal da empresa) ao associa-los à elementos não-humanos (projeto, legislação, madeira). Essa perspectiva nos auxilia nas reflexões sobre a descrição da trama de práticas espaciais entre humanos e não-humanos.
A difusão da TAR encontra campos e temáticas de difícil penetrabilidade, tal como no caso dos estudos urbanos (ROCHA, 2013). Nesse panorama, estabelece-se o recente conceito de urban assemblage.
“a ANT fornece uma explicação radical do espaço e do tempo como consequências, efeitos ou, até mesmo, variáveis dependentes das relações e associações que compõem as redes de atores” (FARIAS e BENDER, 2010, p. 6).
Refletir a cidade a partir da urban assemblage é entendê-la como um processo relacional de composição, não confinada a limites bem estabelecidos, e com seu conjunto de associações com entidades heterogêneas (idem; McFARLANE, 2011).
Síntese
Passo a passo da pesquisa:
Para tanto, fiz pesquisa bibiográfica e documental; entrevistas semiestruturadas com moradores da ressaca e técnicos da prefeitura; observação participante; tirei fotografias, observei mapas oficiais e escrevi um diário de campo.